O MESSIAS JÁ VEIO OU VIRÁ?
29/09/2025
A ORIGEM DO NASCIMENTO DE JESUS.
É de conhecimento amplamente difundido que uma das crenças centrais do cristianismo é a de que Jesus teve um nascimento miraculoso, concebido por uma virgem chamada Maria.
No entanto, uma descoberta arqueológica realizada na biblioteca do convento de Santa Catarina[^1] trouxe à luz manuscritos antigos do evangelho de Mateus, conhecidos como o Evangelho Siríaco Sinaítico. Segundo renomadas autoridades em arqueologia e estudos bíblicos — como aponta a Bíblia de Jerusalém (Ed. Vozes, comentário do primeiro capítulo do Evangelho de Mateus) — trata-se de um texto considerado autêntico, datado possivelmente do século II.
Essa versão primitiva do evangelho sugere que José, esposo de Maria, seria o pai biológico de Yeshua (Jesus), o que lança novas luzes sobre a tradicional doutrina do nascimento virginal. Tal descoberta questiona uma das colunas fundamentais da cristandade, indicando que o relato da concepção virginal pode ter sido uma interpretação posterior, e não uma afirmação original do texto.
Adicionalmente, essa leitura corrobora a hipótese de que o versículo de Isaías 7:14 — frequentemente citado como profecia do nascimento virginal — não se referia especificamente a uma "virgem", mas sim a uma jovem mulher, conforme a terminologia original hebraica (almah). De fato, a promessa messiânica, conforme Gênesis 3:15, é centrada na descendência de uma mulher, sem necessariamente excluir a participação de um pai humano.
O Evangelho Siríaco de Mateus e a Revisão da Narrativa do Nascimento Virginal
A versão siríaca do evangelho de Mateus — preservada em manuscritos antigos encontrados no convento de Santa Catarina, no Sinai — oferece uma leitura que difere significativamente da tradição cristã predominante. Este texto, conhecido como Evangelho Siríaco Sinaítico, sugere que o nascimento de Jesus (Yeshua) não ocorreu por meio de concepção virginal, mas sim por meio da união entre Maria e seu esposo José, identificado explicitamente como o pai biológico da criança, e não o Espírito Santo.
Tal perspectiva representa uma desconstrução crítica de uma das doutrinas centrais do cristianismo — o nascimento virginal — e levanta importantes implicações teológicas e hermenêuticas, sobretudo no que diz respeito à leitura do texto de Isaías 7:14. Este versículo, muitas vezes interpretado como uma profecia messiânica referente a uma “virgem”, utiliza no hebraico original o termo almah, que pode ser traduzido de forma mais precisa como "jovem mulher", sem implicações obrigatórias de virgindade.
A Linhagem Davídica e o Critério Messiânico nas Escrituras Hebraicas
Ainda que a descendência de Davi seja um elemento relevante nas expectativas messiânicas judaicas — dado que o próprio rei Davi era da tribo de Judá —, essa condição genealógica, por si só, não é suficiente para legitimar alguém como o mashiach (ungido). As Escrituras Hebraicas apontam que o verdadeiro messias deverá cumprir uma série de critérios proféticos, entre eles, o restabelecimento pleno do Reino de Israel, o que, conforme os registros históricos e religiosos disponíveis, ainda não se concretizou.
A origem da promessa messiânica remonta à bênção de Jacó sobre seu filho Judá, conforme registrada em Gênesis 49:9-10:
“Judá é um leão novo. Você vem subindo, filho meu, depois de matar a presa. Como um leão, ele se assenta; e deita-se como uma leoa; quem tem coragem de acordá-lo?
O cetro não se apartará de Judá, nem o bastão de comando de seus descendentes, até que venha aquele a quem ele pertence, e a ele as nações obedecerão.”
Esse texto tem sido tradicionalmente interpretado como uma referência ao surgimento de uma liderança messiânica dentro da linhagem de Judá, cuja autoridade seria reconhecida por todas as nações. No entanto, o cumprimento literal e histórico dessa profecia permanece, até hoje, uma expectativa escatológica no judaísmo.
A Redescoberta do Texto de Isaías 7:14 nos Manuscritos do Mar Morto
A descoberta arqueológica realizada em 1947 nas grutas de Qumran, situadas nas proximidades do Mar Morto, revelou uma coleção de manuscritos antigos que transformaram os estudos bíblicos e históricos do judaísmo do período do Segundo Templo. Esses manuscritos, conhecidos como os Manuscritos do Mar Morto, foram cuidadosamente preservados em talhas de cerâmica por membros da seita judaica conhecida como os essenios. Entre os diversos textos encontrados, destaca-se uma versão do livro do profeta Isaías, cuja leitura difere significativamente das traduções tradicionais cristãs, especialmente no versículo 7:14.
No manuscrito de Isaías encontrado em Qumran, a passagem é traduzida como:
“Eis que a jovem grávida dará à luz um filho...”
Essa formulação difere da tradução comum encontrada em muitas versões cristãs da Bíblia, que preferem o termo "virgem". No entanto, o texto hebraico original utiliza o termo ‘almah’, que significa "jovem mulher" e não implica necessariamente virgindade. Essa diferença semântica é crucial para a compreensão correta do contexto histórico e linguístico da profecia.
A Influência da Septuaginta e a Construção do Nascimento Virginal
A ideia do nascimento virginal de Jesus (Yeshua), popularizada nos evangelhos canônicos, deriva principalmente da influência da Septuaginta — uma tradução grega das Escrituras Hebraicas realizada entre os séculos III e I a.C. Na Septuaginta, o termo hebraico ‘almah’ foi traduzido como parthenos, que em grego geralmente significa “virgem”, embora também possa se referir genericamente a uma moça solteira.
Para muitos estudiosos e rabinos, a Septuaginta representa uma deturpação teológica das Escrituras hebraicas, sendo considerada por alguns como o "segundo bezerro de ouro" — uma metáfora crítica que aponta para sua associação com idolatria e desvios doutrinários. Segundo essa visão, a adoção da tradução grega contribuiu para a despersonalização do Criador, ao substituir o monoteísmo judaico pela veneração de figuras humanas, interpretadas como divinas.
Paralelos Mitológicos e o Conceito de Avatares
A doutrina do nascimento virginal de Yeshua não é um fenômeno isolado no campo religioso. Dentro do contexto da história comparada das religiões, é possível identificar diversos relatos mitológicos anteriores ou contemporâneos que descrevem o nascimento sobrenatural ou miraculoso de figuras consideradas divinas ou semidivinas.
Essas figuras, frequentemente denominadas avatares em certas tradições, aparecem em culturas variadas com histórias que envolvem concepções por virgens, manifestações celestiais, ou intervenções de entidades divinas. Esse padrão narrativo comum sugere a existência de motivos religiosos universais que transcendem tradições específicas e influenciam a construção de doutrinas ao longo do tempo.
Relatos de Nascimentos Virginais nas Tradições Religiosas e Mitológicas
A ideia de um nascimento miraculoso ou virginal atribuído a figuras divinas ou semidivinas não é exclusiva do cristianismo. Diversas tradições antigas apresentam narrativas semelhantes, o que sugere a presença de um arquétipo comum na construção religiosa de figuras redentoras ou avatares.
Na Pérsia antiga, por exemplo, Zaratustra (ou Zoroastro) é apontado por algumas tradições como o primeiro de uma linhagem de redentores, alegadamente nascido de uma virgem por intervenção divina.
No Egito, muito antes do surgimento do cristianismo, havia relatos de divindades nascidas de forma sobrenatural. Um dos exemplos mais conhecidos é o de Hórus, tido como filho da deusa Ísis e do deus Rá, cuja concepção, segundo mitos egípcios, teria ocorrido de maneira não convencional, sendo interpretada por alguns estudiosos como uma forma simbólica de nascimento virginal.
Na Índia, o conceito de avatares — manifestações divinas em forma humana — é central. Entre esses, destaca-se Krishna, considerado um salvador divino, cuja mãe, Devaki, foi retratada em algumas tradições como uma mulher de pureza excepcional, escolhida para dar à luz um ser divino. Em certas versões da narrativa, Krishna aparece com o nome Chrishna, e sua história também carrega elementos de intervenção sobrenatural na concepção.
No caso de Siddhartha Gautama, o Buda histórico, tradições posteriores afirmam que sua mãe, Maia, era uma virgem tocada por um poder celestial. De acordo com esses relatos, uma entidade divina chamada Shing-Shin teria descido sobre Maia, resultando na concepção de Buda, um evento interpretado como de natureza miraculosa.
Entre os siameses (tailandeses), há menções a uma figura redentora chamada Codom, nascida de uma virgem que, segundo a tradição, foi avisada por um mensageiro divino de que daria à luz um grande enviado de Deus. A concepção teria ocorrido por meio de raios solares de origem sagrada.
Na China, registros históricos e relatos de missionários jesuítas relatam sua surpresa ao encontrar, na religião tradicional chinesa, histórias anteriores ao cristianismo que narravam o nascimento de um mestre redentor. Um exemplo frequentemente citado é Lao-Tsé, figura venerada no taoismo, cuja mãe teria sido uma virgem de pele escura, descrita como de grande beleza, e cujo nascimento foi situado por algumas tradições em um período que remonta a mais de três milênios antes de Yeshua.
Considerações Finais
Diante dessas diversas tradições, é possível observar que o relato do nascimento virginal de Yeshua, embora central no cristianismo, não é inédito no panorama das religiões antigas. Narrativas de concepções divinas e nascimentos extraordinários fazem parte do imaginário espiritual de várias culturas, o que permite interpretações simbólicas, teológicas e comparativas dentro dos estudos das religiões.
Releitura Contextual de Isaías 7:14
Uma leitura atenta e contextual de Isaías 7:14, considerando os versículos anteriores e posteriores (Isaías 7:1–16), revela que essa profecia se cumpriu aproximadamente 700 anos antes do nascimento de Yeshua (Jesus). A análise do texto mostra que a profecia foi um sinal específico dado ao rei Acaz, em seu tempo, como resposta direta à sua insegurança diante das ameaças políticas da época (cf. Isaías 7:10–11).
O personagem mencionado como Emanuel ("Deus conosco") refere-se, nesse contexto, não a uma figura futura messiânica, mas sim ao filho do próprio Acaz, o rei Ezequias. Ezequias tornou-se conhecido como um reformador espiritual de Israel, conforme registrado em II Crônicas 29–31. Seu governo foi marcado pela purificação do templo de Jerusalém, a abolição da idolatria e o restabelecimento das práticas religiosas conforme a Torá. Como consequência, o povo reconheceu novamente a presença divina entre eles — daí a expressão “conosco está Deus”, ou Emanuel.
Essa leitura é corroborada por passagens como II Crônicas 28:27 e 31:1, que demonstram a restauração do culto ao Eterno. A Shechiná — termo hebraico que se refere à manifestação da presença gloriosa de Deus — foi percebida pelo povo como um sinal de que Deus habitava novamente em meio à comunidade, em resposta à sua prática de justiça e obediência à Torá.
A Genealogia de Yeshua: Uma Reflexão Crítica
O propósito das genealogias bíblicas é documentar a linhagem familiar, seja em ordem ascendente (como no evangelho de Lucas) ou descendente (como em Mateus), estabelecendo vínculos históricos e tribais. Diante disso, surge uma questão lógica importante: qual seria o sentido de incluir uma genealogia de Yeshua se, conforme a doutrina tradicional cristã, ele não teria pai humano, mas teria sido concebido pelo Espírito Santo?
A inclusão da genealogia em ambos os evangelhos parece contradizer essa ideia, uma vez que toda a estrutura genealógica está ancorada na figura de José, o suposto pai adotivo. Isso sugere que, nas tradições mais antigas, Yeshua era compreendido como filho biológico de José, o que reforça uma leitura menos sobrenatural e mais humana de sua origem.
Há os que alegam que Yeshua é segundo a ordem de Melquisedeque. Ora, se ele tem genealogia, é infundada tal teoria de que não tem princípio e nem fim.
A Promessa Messiânica e a Linhagem Davídica
As Escrituras Hebraicas indicam que, dentre os descendentes de Adão, o Eterno escolheu Sem (Shem) — um dos filhos de Noé (Noach) — como o ancestral da linhagem semita. Dessa linhagem descenderam Abraão, Isaque e Jacó, e dentre os filhos de Jacó, o Eterno escolheu Judá (Yehudah) como a tribo da qual viria a dinastia real. Dentre os descendentes de Judá surgiu Davi (David), a quem foi feita uma promessa eterna de continuidade dinástica:
“Não violarei a minha aliança, nem modificarei o que saiu dos meus lábios. Uma vez jurei por minha santidade, e não mentirei a Davi: sua descendência durará para sempre, e seu trono, como o sol diante de mim.”
(Salmo 89:34–37; cf. Salmo 132:11)
Na época de Yeshua (Jesus), os judeus aguardavam a vinda do Mashiach como um descendente legítimo do rei Davi. O evangelho de Lucas 1:32–33 confirma essa expectativa popular: o messias deveria herdar o trono de seu antepassado David, e para isso, seria necessário que sua genealogia fosse estabelecida por meio da linhagem paterna, conforme era o costume vigente.
A Genealogia e o Paradoxo Cristológico
Tanto os evangelhos de Mateus quanto de Lucas apresentam genealogias de Jesus, traçando sua ascendência até Davi. No entanto, ambas as genealogias são ligadas a José, o esposo de Maria. Se Jesus fosse realmente concebido pelo Espírito Santo, como afirma a doutrina cristã tradicional, José não seria seu pai biológico, e portanto, Jesus não poderia ser legalmente considerado descendente de Davi, o que anularia sua legitimidade messiânica à luz da profecia.
Essa tensão entre a genealogia davídica e a concepção virginal levanta uma contradição teológica significativa. Se Yeshua é biologicamente filho de José, a doutrina do nascimento sobrenatural perde fundamento. Por outro lado, se foi gerado sem pai humano, não se enquadra na expectativa messiânica judaica, pois a linhagem tribal e real era transmitida pelo pai, conforme explicitado em Lucas 2:4.
O Emanuel de Isaías 7:14: Contexto Histórico e Leitura Judaica
A leitura contextual de Isaías 7:14, especialmente à luz dos versículos 1 a 16, demonstra que essa profecia foi dada como um sinal específico ao rei Acaz, em seu próprio tempo. O texto claramente se refere a um evento contemporâneo do profeta Isaías. A criança profetizada — chamada de Emanuel (“Deus conosco”) — não é outra senão o futuro rei Ezequias, filho de Acaz, como se confirma em II Crônicas 29–31. Ezequias purificou o Templo de Jerusalém, restaurou o culto ao Eterno e aboliu a idolatria, provocando um grande avivamento espiritual em Israel. Isso legitimaria o uso da expressão "Deus está conosco" aplicada a ele.
Importante destacar que o termo hebraico usado em Isaías 7:14 é ‘almah’, que significa jovem mulher, e não “virgem”, que em hebraico seria ‘betulah’. Em diversos contextos bíblicos, como nas dez virgens (Mateus 25), o termo usado é de fato betulah, reforçando que o uso de almah em Isaías não sustenta a interpretação de uma concepção virginal. A tradução da Septuaginta, que verte almah como parthenos (virgem, em grego), parece refletir uma adaptação teológica posterior, com o objetivo de sustentar a doutrina do nascimento miraculoso de Jesus.
Essa doutrina se fortaleceu a partir de concílios e formulações cristológicas, como os realizados em Niceia (325) e Constantinopla (381), que definiram oficialmente a natureza divina de Jesus:
“É o Senhor, o doador da vida, que procede do Pai, e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado.”
(Credo Niceno-Constantinopolitano)
A concepção virginal, nesse contexto, visa elevar a figura de Yeshua ao status de deus encarnado, em consonância com arquétipos religiosos de outras culturas antigas.
Paralelos Mitológicos e a Influência do Pensamento Helênico
Estudiosos modernos, inclusive teólogos católicos, reconhecem a possibilidade de que a doutrina do nascimento virginal tenha sido influenciada por temas mitológicos pré-cristãos. A Enciclopédia da Bíblia A. Van den Born (Ed. Vozes) afirma:
“O nascimento virginal é considerado por muitos como uma adaptação cristã de mitos helenísticos ou orientais, nos quais deuses se unem a mulheres mortais e delas nascem heróis ou figuras divinas.”
(p. 949)
Além disso, a mesma fonte observa que boa parte dos comentaristas concorda que o Emanuel de Isaías 7:14 se refere a Ezequias, não a uma figura messiânica futura:
“A ideia da partenogênese [nascimento virginal] é considerada duvidosa por grande parte dos teólogos católicos.” (p. 979)
Considerações Finais
Diante da análise textual, genealógica, histórica e teológica, constata-se que:
A genealogia de Jesus apresenta uma contradição se assumido que foi concebido pelo Espírito Santo;
A profecia de Isaías 7:14 teve cumprimento no contexto histórico de Acaz e Ezequias, e não pode ser lida duplamente sem forçar o texto original;
A concepção virginal não era parte da expectativa messiânica do judaísmo do Segundo Templo, nem da interpretação judaica de Isaías.
Assim, o nascimento virginal de Yeshua aparece mais como uma construção teológica helenística do que como o cumprimento literal de uma profecia hebraica. A análise crítica da tradição e dos textos aponta para a necessidade de releituras mais próximas do contexto histórico e linguístico original.
O Surgimento da Doutrina da Concepção Virginal e da Teologia Trinitária
Relatos históricos apontam que as tradições mais antigas do cristianismo não mencionavam originalmente a concepção de Jesus (Yeshua) pelo Espírito Santo. Essa doutrina só veio a se consolidar na Ásia Menor, distante da Galileia, no contexto de debates teológicos ocorridos entre os séculos III e IV. Nesse processo de formulação dogmática, Jesus foi declarado a segunda pessoa da Trindade, e sua mãe, Maria — uma mulher judia da Galileia, esposa de José, o carpinteiro — foi posteriormente elevada ao status de Theotokos, ou seja, “mãe de Deus”.
Essa informação é registrada por Pierre Van Paassen, em sua obra Por que morreu Jesus?, nas páginas 17 e 18. A reflexão proposta pelo autor revela que a teologia católica, em sua formação histórica, reconhece aspectos doutrinários que muitos cristãos evangélicos desconhecem ou não questionam, como a deificação de Maria e a natureza divina de Jesus segundo a doutrina trinitária.
Não se trata, portanto, de uma crítica exclusivamente judaica ou uma tentativa de "distorcer" a fé cristã; trata-se de uma análise fundamentada na evolução histórica das crenças dentro do próprio cristianismo institucionalizado, especialmente após os concílios ecumênicos (Niceia, 325; Constantinopla, 381).
O Novo Testamento e a Nova Aliança: Uma Análise à Luz da Escritura Hebraica
Muitos cristãos consideram o Novo Testamento como uma extensão ou complemento da Bíblia Hebraica (Tanakh). No entanto, essa concepção não se sustenta do ponto de vista das Escrituras judaicas. Da mesma forma que o Alcorão não é uma continuação da Bíblia Hebraica, os evangelhos e cartas apostólicas não constituem a "nova aliança" anunciada pelos profetas de Israel.
Segundo o profeta Jeremias (31:30–34), o novo pacto (brit chadashah) será estabelecido exclusivamente com a casa de Israel e com a casa de Judá, e não com os povos gentios (não israelitas). Além disso, uma característica central desse pacto é que a Torá será inscrita no coração do povo, tornando desnecessário qualquer tipo de evangelização ou ensino entre as pessoas:
“Não ensinarão mais cada um a seu próximo, nem cada um a seu irmão, dizendo: ‘Conhecei o Eterno’; porque todos Me conhecerão, desde o menor até o maior deles...”
(Jeremias 31:33)
Com base nesse texto, torna-se evidente que a era da nova aliança ainda não foi plenamente instaurada, pois continuamos vivendo num mundo em que o conhecimento ao Eterno não é universal e onde o ensino religioso ainda se faz necessário. Portanto, chamar os escritos cristãos de “Novo Testamento” ou “Nova Aliança”, representa uma antecipação teológica que não encontra respaldo nas Escrituras Hebraicas, conforme entendidas pelo judaísmo Bíblico.
É bom examinar e ver que na verdade os evangelhos não trazem consigo qualquer resquício de inspiração. O próprio escritor (Lucas) registra que fez um apanhado do que se diziam acerca de Jesus, escreveu e enviou a seu amigo Teófilo para que conhecesse acerca deste homem e os seus feitos. Em nenhuma parte dos evangelhos está a expressão profética: “assim diz o Senhor”. É notório que os evangelhos canônicos apresentam uma série de inconsistências textuais e contradições internas, o que tem sido objeto de estudo por parte de historiadores e críticos da tradição cristã. Ao longo dos séculos, diversos concílios e revisões eclesiásticas contribuíram para alterações significativas na estrutura do Novo Testamento, com o propósito de alinhar a nova doutrina emergente às cosmovisões predominantes nas religiões pagãs da Antiguidade. Essa aproximação não se deu de forma acidental, mas sim como parte de um processo de sincretismo religioso que buscava conferir legitimidade e universalidade à fé cristã nascente.
A tradição cristã, em seu processo de formação e consolidação, absorveu e reinterpretou diversos elementos simbólicos oriundos dos mitos helenísticos, estabelecendo paralelismos que contribuíram para a construção de sua narrativa teológica. Um exemplo emblemático é a figura de Kronos, destronado por seu filho Zeus — uma imagem que, em determinados segmentos do pensamento cristão, é evocada como analogia à ideia de Yeshua assumindo a posição do Deus de Israel. Essa transposição simbólica revela não apenas uma dinâmica de substituição, mas também uma tentativa de conferir legitimidade à nova estrutura religiosa por meio de referências mitológicas familiares ao imaginário greco-romano.
Tal perspectiva tem alimentado discussões teológicas recorrentes acerca da identidade ontológica de Jesus: seria ele um ser humano exaltado, uma entidade divina encarnada, ou uma síntese paradoxal entre humanidade e divindade — a figura do "Deus-homem"? Essas questões permanecem centrais no debate cristológico, refletindo tensões entre tradição judaica, influências helenísticas e interpretações doutrinárias posteriores.
Importa salientar que, à luz das escrituras proféticas, não há evidências empíricas ou teológicas robustas que sustentem a afirmação de que vivemos sob a nova aliança ou na era messiânica. Conforme descrito em Jeremias 31:32-33, essa era seria caracterizada por justiça social e prosperidade coletiva — elementos ainda ausentes em larga escala. Assim, a proclamação de que a nova aliança já se concretizou pode ser interpretada, sob uma perspectiva crítica, como uma construção teológica que visa atender expectativas escatológicas, mas que carece de respaldo histórico e material.
Diversos segmentos do cristianismo professam a crença de que Yeshua é a manifestação plena do Deus verdadeiro, chegando inclusive a defender que esse nome deveria constar no Tanach — a Bíblia hebraica. No entanto, à luz da tradição judaica, é fundamental recordar que o nome de Deus é considerado eterno, imutável e intransferível. Este nome, entendido como um memorial perpétuo — ledor vador, “de geração em geração” — não pode ser atribuído a nenhuma figura humana, independentemente de sua relevância espiritual ou histórica.
No contexto do evangelho segundo Lucas, a profecia pronunciada por Zacarias — sacerdote e pai de João Batista — oferece um vislumbre das expectativas messiânicas predominantes entre os judeus do período do Segundo Templo. O trecho de Lucas 1:69–74 articula uma esperança concreta de redenção nacional e espiritual, expressa nos termos de libertação dos inimigos e restauração do culto a Deus em liberdade: “E nos levantou uma salvação... para nos livrar dos nossos inimigos e da mão de todos os que nos odeiam... para que, livres da mão dos nossos inimigos, o sirvamos sem temor.”
Essa formulação reflete uma concepção messiânica profundamente enraizada na tradição profética hebraica, que associava a vinda do ungido à instauração de justiça, paz e soberania divina sobre Israel. No entanto, a leitura crítica desse texto sugere que tais expectativas não se concretizaram de forma palpável na experiência histórica subsequente, gerando desilusão entre os que aguardavam uma intervenção messiânica de caráter político e escatológico. A ausência de transformação estrutural — seja no plano político, seja no plano social — contribuiu para o surgimento de interpretações teológicas alternativas, que deslocaram o foco da redenção coletiva para uma salvação espiritual de cunho individual.
Esse deslocamento hermenêutico, promovido pelas comunidades cristãs primitivas, marca uma inflexão significativa na compreensão do messianismo judaico, convertendo-o em uma narrativa de redenção interior e transcendência, em contraste com as expectativas concretas de libertação nacional que permeavam o imaginário judaico da época.
Essa tensão entre expectativa escatológica e realidade histórica permanece como um ponto de inflexão nas discussões teológicas entre judaísmo e cristianismo, especialmente no que diz respeito à identidade do messias e à natureza da redenção prometida.
Os Judeus estavam sob o poder de Roma, a situação política e religiosa piorou quando no ano 70 EC houve a destruição do 2ºtemplo e a diáspora. Muitas pessoas morreram proveniente do cerco a Jerusalém. Onde estava o messias para livrar o povo? Onde ficou a profecia do Sacerdote Zacarias, que serviria a partir desse momento sem temor (de Roma)?
Não precisamos de muita perspicácia para observar que a profecia falhou, assim como muitas outras.
A crença baseada em milagres é incoerente e não justifica a crença. O que determina é a profecia que diz como será o reino messiânico. Se ele já iniciou ou se vai iniciar! Se o mashiach já veio ou virá, é uma questão de conhecimento às profecias e não apenas porque alguém disse. Muitas foram enganadas por espíritos que falam como santo, mas na verdade só enganam. Temos o exemplo do rei Acabe que foi enganado (I Reis 22.19-23).
A profecia que vai culminar com a vinda do mashiach, se cumprirá da seguinte forma: “aproxima-se os dias - diz o Eterno – quando escolherei, dentre os rebentos de David, um justo que governará como rei, que prosperará e saberá praticar justiça e retidão na terra. Em seus dias Judá será redimida e Israel viverá em segurança, e o nome pelo qual será chamado significará: O Eterno é retidão” Jeremias 23:5-6. Afirmar que o mashiach não veio, está no fato do não cumprimento das profecias.
A aclimatação de Jesus como Mashiach por seus seguidores, e sua entrada em Jerusalém montado em um jumento, é um evento central nos evangelhos. No entanto, o texto que você apresenta levanta um ponto crucial: a principal profecia messiânica, a de Israel habitar em segurança, não se concretizou. A justificativa de alguns defensores da fé cristã, de que a falta de segurança se deu pela incredulidade dos judeus em Jesus, é posta em questão.
A Função do Mashiach Segundo as Profecias Judaicas
Para o judaísmo, os profetas descrevem sinais específicos para o reconhecimento do Mashiach, esperança que permeou gerações passadas e continua viva entre os judeus.
Conforme as profecias, o Mashiach (ungido) não é um ser sobrenatural vindo do céu. Ele será um homem, semelhante a Moisés, conforme Deuteronômio 18, e descendente da tribo de Judá, como indicado em Números 24:17-19. Sua função incluirá a redenção espiritual, ensinando a Torá (lei), pois é através dela que o homem se aproxima do Eterno.
A redenção política e espiritual do povo de Israel acontecerá com a vinda do Mashiach. Isso envolverá a reunião dos judeus dispersos, com seu retorno à terra prometida a Abraão e sua descendência (Gênesis 13:14-18). Com a chegada da era messiânica, Jerusalém será restaurada à sua glória espiritual. O processo de purificação iniciará uma era de perfeição moral para toda a humanidade, promovendo a coexistência harmoniosa de todos os povos, livres de guerra, medo, ódio e intolerância (Isaías 52:1; 2:11; Miqueias 5:4; I Samuel 9:16; II Samuel 3:18; Salmos 72:1-12; Zacarias 14:11).
Este homem, designado por Deus, não virá para morrer pelos pecados dos homens, nem para que seu sangue os salve. O sangue humano é considerado ineficaz para a salvação. No Templo, a oferta de sacrifícios de animais impuros é proibida. A ideia de oferta de sangue humano a deuses é associada a religiões pagãs, como no Mitraísmo, onde a expressão "O sangue de Mitra tem poder" e o derramamento de sangue animal sobre os adeptos eram práticas comuns.
O Mashiach será um grande líder e sábio da Torá, que ensinará o caminho do Eterno, e seu reino se estenderá "de uma à outra extremidade da terra": "E ele permanecerá e apascentará o povo na força do Senhor, na excelência do nome do Senhor seu Deus; e eles permanecerão porque agora ele será grande até os confins da terra" (Miqueias 5:4).
É importante notar que restaurar não é destruir. O texto aponta que o messias cristão não teria cumprido as profecias, em parte porque "o reino dele não era desse mundo". Em contraste, o Mashiach judaico vem para restaurar a terra com a força e o poder do Eterno, o que difere da imagem de Jesus, que, segundo algumas interpretações, veio para trazer "espada e dissensão entre os homens".
A Questão da Dupla Vinda do Messias
A ideia de uma dupla vinda do Messias é questionada, argumentando que se a paz e a redenção não foram alcançadas na primeira vez, uma segunda tentativa não faria sentido. O texto cita o exemplo de Bar Kokhba, que, apesar de ter iniciado a reconstrução do Templo e ser da tribo de Judá, não foi o Mashiach esperado por ter feito alianças proibidas pelo Eterno. É enfatizado que não há precedentes para uma segunda vinda de figuras messiânicas que falharam, como Bar Kokhba ou Shabetai Tzvi.
A teoria das duas vindas do messias cristão é caracterizada como uma suposição e interpretação equivocada por parte de seus seguidores.
O Paralelo com Moisés e o Verdadeiro Libertador
O texto traça um paralelo entre o papel do Mashiach e a liderança de Moisés na libertação de Israel do Egito. Destaca que quando o Eterno tirou Israel do Egito "com mão forte", não houve necessidade de guerra santa, e o povo não precisou "crer em Moisés" (Êxodo 6:10-12) para que ele fosse enviado ao faraó. A crença, argumenta-se, deve estar fundamentada no Eterno de Israel.
Moisés é apresentado como o grande libertador, que retirou Israel do Egito (Mitsraim) sem soldados e sem guerra. A manifestação do poder do Eterno levou o faraó a libertar o povo, que saiu livremente. Se Yeshua fosse semelhante a Moisés, como sugerido em Deuteronômio 18:18, ele teria libertado o povo das mãos dos opressores romanos.
Mesmo com as dificuldades e discórdias enfrentadas no deserto, como o episódio de Datã, Corá e Abirão, esses obstáculos não impediram o povo de Israel de alcançar a terra de Canaã.
A Persistente Esperança Judaica no Mashiach
A comunidade judaica mantém uma expectativa constante pela vinda do Mashiach, uma esperança que persiste, mesmo que tardia.
No período em que Yeshua se declarou Mashiach, muitos de seus contemporâneos acreditaram nele e expressaram a esperança de que ele restauraria Israel. No entanto, o texto aponta que essa restauração não se concretizou. Os próprios evangelhos registram essa expectativa: a profetisa Ana aguardava o restabelecimento do reino de Israel (Lucas 1:38), e o sacerdote Zacarias esperava a libertação das mãos dos opressores e inimigos (Lucas 1:70-74). A crença de muitos, segundo o argumento, não resultou na concretização do reino prometido, em parte porque Jesus afirmava que "o reino dele não é deste mundo".
A Base da Esperança Messianica
A esperança messiânica judaica está fundamentada em profecias claras, como a de Miquéias 5:1-4:
"E tu, Bet-Léhem (Belém) de Efratat, és muito pequena para ser contada entre os milhares de Judá, mas de ti sairá, para Mim, alguém que há de ser o condutor de Israel, cuja origem remontará ao passado distante. Entretanto, Ele os entregará (a seus inimigos) pelo tempo que leva a parturiente até dar à luz. Então o resto de teus irmãos retornará com os filhos de Israel. Ele se erguerá e liderará com a força que lhe concederá o Eterno, seu Deus; e habitarão (em paz), porque ele se terá engrandecido até os confins da terra, e isto assegurará a paz..."
Para justificar o não cumprimento das profecias messiânicas por parte do messias cristão, a ideia de uma segunda vinda foi introduzida. A intenção, segundo a análise apresentada, é sugerir que as profecias que não foram cumpridas na primeira vinda serão realizadas nessa suposta segunda vinda.
A Persistente Esperança Judaica: Um Chamado ao Retorno e à Aliança.
Que ninguém se engane, e que não se culpe os judeus. No início, alguns deles creram em Yeshua. A entrada de gentios na comunidade cristã ocorreu apenas muitos anos depois, portanto, a falta de adeptos não foi o problema.
A crença no retorno a Israel, já profetizada, está se concretizando em massa com a formação do Estado de Israel em 1948. Muitos judeus são impulsionados pelo Eterno a retornar (teshuvá) à terra prometida a Abraão (Gênesis 12:7). A visão do vale de ossos secos de Ezequiel 37 é uma verdade que se realizará em sua plenitude, independentemente de qualquer fator, pois a boca do Eterno o disse.
"Dar-te-ei à tua descendência a terra de Canaã, em possessão perpétua, e serei o seu Deus" (Gênesis 12:7; 17:8).
"Porque os retos habitarão a terra, e os íntegros habitarão nela" (Provérbios 2:21).
A terra de Israel será habitada pelo povo da aliança, uma aliança feita com Israel:
"...se tudo isto que estabeleci se desfizer sem Minha ordem – diz o Eterno –, então também a semente de Israel deixará para sempre de ser uma nação sob Minha proteção..." (Jeremias 31:33-36).
"Desperta, desperta, reveste-te de tua fortaleza, ó Tsion (Sião)! Veste-te com as roupas de tua glória, ó Jerusalém, cidade santa! Pois não tornará a entrar em ti nem incircunciso nem impuro" (Isaías 52:1).
A Promessa de Salvação: O Pacto com Abraão e a Descendência da Mulher
Com a queda do homem no Gan Éden (Jardim do Éden), Deus prometeu restabelecê-lo, indicando que o descendente da mulher seria o responsável por guiar a humanidade de volta à vida original adâmica. É fundamental entender que não se trata de um homem vindo do céu ou de um filho de virgem, mas sim de um filho de uma mulher (Gênesis 3:15). O texto sagrado é claro ao mencionar "o filho da mulher", sem fazer referência a uma virgem.
Os descendentes de Adam (Adão) tomaram rumos diversos, mas o Eterno, após longos anos — aproximadamente 2.000 anos da criação do homem —, escolheu um homem e estabeleceu um pacto com ele. Esse pacto foi feito com Abraão, nosso pai, e não há outro igual. Não é um pacto provisório ou que seria substituído por algo maior. Ele foi estabelecido para ser uma "Bênção":
"...em ti e na tua descendência serão abençoadas todas as famílias da terra" (Gênesis 28:14; 22:17-18).
O Messias que há de vir também será fruto deste pacto estabelecido com Abraão. Dessa forma, a palavra do Eterno (Gênesis 3:15) se cumpre plenamente em Abraão Avinu (nosso pai). A bênção, então, virá inequivocamente por intermédio da descendência de Abraão. Não é assim?O Legado da Serpente, a Perseguição e a Aliança Eterna
A serpente, que levou a humanidade à idolatria na época de Abraão, foi "pisada" quando o pacto da circuncisão foi estabelecido. No entanto, ela não morreu e continua a afligir o povo judeu, "ferindo o calcanhar" (Gênesis 3:15) através das perseguições sofridas ao longo dos milênios. Milhões de judeus foram mortos por se recusarem a negar o pacto eterno. A Inquisição é um dos exemplos históricos em que a Igreja foi responsável pela morte de incontáveis judeus, tudo em nome de uma fé e da falsa acusação de que os judeus teriam matado Yeshua.
Quem realmente matou Yeshua foi um soldado romano. Deus nos livre se tivesse sido um soldado judeu! Roma, no entanto, nunca é acusada desse fato, que está expresso nos evangelhos. Somente os romanos tinham o poder de executar alguém, já que o governo pertencia a eles.
De outro prisma, os cristãos não deveriam se indignar, pois, segundo a fé cristã, Yeshua precisava morrer para salvar seus seguidores. Se Yeshua não tivesse morrido, os crentes nele estariam perdidos. Portanto, em vez de revolta, deveria haver gratidão. Se alguém contribui para a salvação, a atitude correta é de agradecimento, não de revolta!
Ao longo das gerações, o Eterno prova que Israel, descendente de Abraão, nosso pai, possui a função sacerdotal (Êxodo 19:6). A aliança feita não passará; ela é eterna: "...e será Minha aliança em vossa carne (circuncisão), para uma aliança eterna" (Gênesis 17:13-14). A aliança que o Eterno fez com Abraão Avinu é suficiente para trazer salvação a todos que crerem e se achegarem a Israel, o povo da promessa (Jeremias 31:34-35).
A Salvação Prometida e a Exclusividade do Salvador
Há um grande engano em chamar o Deus de Israel de "meu Deus" sem antes se tornar um israelita. É necessário seguir o protocolo formal de retorno (teshuvá), que inclui a brit milá (circuncisão) na carne. "E estabelecerei a Minha aliança entre Mim e ti, e entre tua descendência depois de ti, em suas gerações, numa aliança eterna, para ser teu Deus, e de tua descendência depois de ti" (Gênesis 17:7). Os judeus continuam essa prática milenar até hoje sem grandes problemas. Aqueles que se convertem passam pelo mesmo processo, semelhante a Abraão Avinu, que foi circuncidado aos 99 anos (Gênesis 17:24-27).
O arrependimento e a conversão são ensinados repetidamente na Torá. Apesar disso, muitos se sentem sem um Salvador por desconhecerem o convite. O Deus de Israel é o único Salvador: "Somente Eu sou o Eterno, e outro salvador não existe, além de Mim" (Isaías 43:11).
A Inexistência de Imagem Divina e a Proibição na Torá
O Deus de Israel é invisível e não deu nenhuma semelhança de Si, justamente para que o ser humano não criasse imagens esculpidas e Lhe atribuísse uma forma. Nos Dez Pronunciamentos (Mandamentos), foi expressamente proibido fazer qualquer imagem ou semelhança divina. Deus não poderia transgredir Sua própria palavra, oferecendo à humanidade um homem para ser Sua imagem na terra. Quando Paulo afirma que Jesus é a imagem de Deus, o judaísmo prefere permanecer com a proibição da Torá, pois o Eterno jamais ensinaria algo contrário à Sua própria lei, dando ao homem uma imagem de Si.
Para se achegar a Deus, é fundamental humilhar-se, orar e converter-se (II Crônicas 7:14-15). O povo judeu sempre desfrutou desse privilégio, tendo o Yom Kipur (Dia do Perdão) como uma data especial. O judeu jamais dependeu de outro salvador, mesmo após a destruição do Primeiro Templo. Hoje, com o Segundo Templo também destruído, a convicção é de que não há necessidade de outro salvador, pois já se tem o Salvador eterno.
O Nome para a Salvação
A salvação do povo de Israel está intrinsecamente ligada ao nome do Eterno. Como está escrito: "E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Eterno (YHVH) será salvo..." (Joel 2:32).
Muitas discussões têm surgido, afirmando que Israel, o povo da Torá, não conhece o nome de seu Deus. Que se enganem aqueles que fizerem tal afirmação leviana. Os homens fiéis sempre souberam qual nome clamar na hora da angústia.
A questão atualmente debatida no movimento cristão é: Qual o nome que salva?
Nosso objetivo é demonstrar, com base na Torá, qual nome devemos invocar.
A Santidade do Nome Divino e a Proibição da Blasfêmia
Nós, judeus, estamos proibidos de blasfemar o nome de Deus em qualquer idioma. Contudo, é fundamental saber que o nome de Deus está escrito no Sefer Torá (rolo da Torá) com as quatro consoantes Yod, He, Vav, He (YHVH), sem as vogais.
No movimento cristão, alguns líderes aplicam o nome do personagem bíblico Josué (Yeshua ou Yehoshua) como se fosse o "novo nome" do Eterno. No entanto, um olhar atento às escrituras revela que o nome de Deus é Eterno e, por ser Eterno, não muda. Diversos personagens bíblicos tiveram seus nomes alterados devido a uma nova função ou destino que passariam a cumprir. Foi o caso de Oseias, filho de Nun, que recebeu o nome de Yehoshua ou Yeshua. O fato de esse nome conter duas consoantes do nome de Deus (YH) leva muitos leigos a crerem que este é o nome do Deus de Israel.
Entretanto, o mandamento de Êxodo 20 proíbe usar o nome de Deus corriqueiramente ou em vão. O nome sagrado, conhecido como Tetragrama, jamais foi dado a homem algum. Em outras palavras, era proibido aos pais darem aos seus filhos o nome pessoal do Eterno. Josué contém parte do nome de Deus, mas este não é o nome de Deus. Outros homens israelitas também tiveram parte do nome de Deus em seus nomes, como Yermiahu (Jeremias), Yeshayahu (Isaías), Yoel (Joel), entre outros. Nós, judeus, somos ordenados pelo Eterno a obedecer aos juízes e sacerdotes que nos ensinam; quem não os ouvir, sofrerá graves consequências. Josué (Yehoshua, Yeshua) nunca foi o nome de Deus. Em nenhuma parte, esse nome foi adorado, servido ou reverenciado como o nome de Deus. Caso contrário, o povo já estaria adorando esse nome desde a entrada em Canaã. É evidente que os sábios sabem o significado do nome de Josué.
O Tetragrama sagrado é exclusividade do Deus de Israel, e esse nome é eterno, portanto, nunca será trocado (Êxodo 3:15). Infelizmente, nas traduções atuais para o português, o Tetragrama (YHVH) não aparece. Para encontrá-lo, é necessário consultar o Tanakh (Bíblia judaica).
A maior honra que o ser humano pode dar a Deus é não blasfemar Seu nome, valorizando-o e não o tomando em seus lábios de maneira fútil. Lembremos do texto que nos mostra a necessidade do nome do Eterno. Os judeus sempre desfrutaram dessa bênção: "e se o Meu povo, que é chamado pelo Meu Nome, se curvar, orar e buscar a Minha face, e retornar dos seus maus caminhos, então Eu ouvirei dos céus, perdoarei os seus pecados e curarei a sua terra" (II Crônicas 7:14). No mundo, há muitos deuses e muitos senhores; contudo, para o judaísmo, há um só Deus e Senhor: "Shemá Israel, Adonai (YHVH) Elohenu, Adonai Echad" – "Escuta, Israel! O Eterno é nosso Deus, o Eterno é um!" (Deuteronômio 6:4).
O Servo Ultrajado: Israel em Isaías 53
É fundamental compreender como o Eterno se refere a Israel por meio dos profetas. Israel é designado como o servo e a luz para as nações, em quem o Eterno será glorificado (Isaías 49:3 e 6; 44:21). De acordo com os escritos sagrados, Israel recebeu a incumbência de ser luz e acolher as nações que se convertem. Achegar-se a este povo significa entrar na aliança eterna estabelecida com Abraão, nosso pai (Gênesis 17:13-14). É importante notar que a promessa não foi feita apenas aos filhos biológicos, mas também a estrangeiros e escravos.
Que Aliança (Pacto) É Essa?
Esta é a aliança da circuncisão (Brit Milá), realizada no oitavo dia de vida. Para o convertido, não há uma idade específica, pois o próprio Abraão Avinu se circuncidou aos 99 anos (Gênesis 17:24). Dentro deste pacto, podemos entender por que Israel é um reino sacerdotal e uma nação santa: "E vós sereis para Mim um reino de sacerdotes e um povo santo!" (Êxodo 19:6).
Este é o motivo pelo qual Israel tem sido perseguido. Os povos temem que o reino de Israel seja implantado e acabe com as organizações religiosas existentes. Contudo, é importante ressaltar que Israel jamais implantará um reino à força. Somente na era do Mashiach haverá o retorno do Eterno a Tsion (a Shechiná). Não se engane: o retorno de Deus a Tsion não será em forma humana. A Shechiná, a glória do Eterno, será vista em toda a terra, da mesma forma como ocorreu no passado, quando Ele falou com a nação de Israel no Monte Sinai. "Moshé disse ao povo não temais, pois Deus veio para vos experimentar e para que o Seu temor esteja diante de vós, a fim de que não pequeis" (Êxodo 20:17-18). O Eterno manifestou-se aos olhos de Israel não com forma humana; o povo pediu que Deus não falasse diretamente, pois Sua voz causou temor, e solicitaram que Moshé transmitisse a instrução (Êxodo 20:18-21).
Este povo que ouviu a voz de Deus é o servo (Israel) que tem sido ultrajado e, por sua função na terra, tem restaurado muitos através da Sagrada Torá (Lei). Este povo tem sido o guardião da Torá.
Isaías 53: Uma Interpretação Judaica
Isaías 53, um poema profético, conforme uma tradução mais precisa, é frequentemente mal interpretado. Os teóricos da morte de Jesus utilizam esse texto, mas o profeta, na verdade, se refere a Israel na condição de sacerdócio e nação santa (Êxodo 19:6). No sofrimento ("pisaduras") deste povo, o gentio tem recebido o privilégio de achegar-se ao Eterno, pois a lei foi dada a Israel, e as outras nações não a quiseram inicialmente. No entanto, a nação que se converte, abraçando a aliança (circuncisão) e guardando o sábado (Isaías 56:6-7), terá seu nome como um memorial eterno. Lembremos que Israel é luz para as nações (Isaías 42:1,6; 43:12) e que a Torá foi dada a Israel na condição de guardião.
O Servo Ultrajado: Uma Análise de Isaías 53 sob a Perspectiva Judaica
O texto de Isaías 53, frequentemente interpretado de diversas maneiras, é aqui apresentado sob uma perspectiva judaica, onde o "servo" mencionado não é uma figura individual, mas sim a nação de Israel.
"Quem teria acreditado no que nós (as nações) ouvimos, e para quem foi revelada a ação do Eterno? Porque ele (o povo de Israel) brotou como planta tenra e como raiz em terra seca. Não tinha nem forma nem beleza; era visível que não tinha boa aparência; quem o apreciaria? Foi depreciado e abandonado por todos, como uma pessoa atormentada e constantemente enferma, como alguém de quem escondemos nossa face, sendo desprezado e desconsiderado. Na verdade, eram os nossos sofrimentos que (Israel) suportava, e as dores que o oprimiam, mas nós o considerávamos um ser aflito, golpeado e ferido por Deus. Ferido estava, porém, por nossas transgressões, e oprimido por nossas iniquidades; seu penar era para nosso benefício e, através de suas chagas (seu exílio), fomos curados. Todos nós como ovelhas (sem pastor), nos desencaminhamos. Cada qual se voltou para seu próprio caminho e (somente) sobre ele (Israel) fez o Eterno recair a iniqüidade de todos nós. (Israel) foi oprimido e afligido, mas calou e não se pronunciou. Como cordeiro que é levado para a matança, e como ovelha que fica muda ante seus tosquiadores, não abriu a sua boca. Com opressão e juízo iníquo foi aprisionado; acaso alguém (das nações) argumentou para com sua geração: Ele (Israel) foi exilado da terra dos vivos pela transgressão do meu povo, e por isso recebeu este duro golpe? E seu túmulo foi feito entre os malévolos, e sua tumba feita pelos poderosos, embora não tivesse praticado a violência nem houvesse mentira em sua boca.
Contudo, aprouve ao Eterno oprimi-lo para testar se sua alma se ofereceria como restituição, para que pudesse ver prolongados os dias de sua semente, e sentir prosperar, por seu intermédio os desígnios do Eterno. Ele percebeu o propósito e aceitou o sofrimento de sua alma. Por esta compreensão, fez reconhecer o Justíssimo perante todas as nações, suportando a iniqüidade delas. Por isto, das nações separarei para ele uma porção e entre os poderosos receberá despojo, porque expôs sua alma à destruição e se deixou enumerar entre os transgressores, pois mesmo suportando os pecados de tantos, intercedeu pelos transgressores.”
Israel: O Servo Desprezado e a Unidade do Povo
Na prática, a passagem descreve Israel como um povo desprezado. Essa realidade não é diferente na atualidade, pois Israel ainda é visto com desdém entre as nações, devido ao seu modo de vida distinto e à sua observância da cashrut (leis alimentares) e da guarda dos shabatot (sábados).
O Eterno trata todo o povo de Israel como uma unidade, um só servo, conforme a declaração: "Tu és meu servo Israel." Essa unidade composta é fundamental, pois Israel, ou Jacó, teve doze filhos, e seus descendentes são coletivamente chamados de "povo de Israel." A interpretação aqui sugere que os sofrimentos e o papel de "servo ultrajado" descritos em Isaías 53 se aplicam à nação de Israel como um todo, e não a uma figura individual.
A Interpretação de Isaías 53 e a Não Conformidade com Jesus
A interpretação de que Isaías 53 se refere a Jesus é questionada, pois se assim fosse, as enfermidades deveriam ter cessado na terra, o que não é o caso. A persistência das doenças contradiz a ideia de que Jesus as teria levado. Do ponto de vista da Torá (Lei de Deus), a enfermidade é frequentemente vista como consequência da violação da lei. Na era messiânica, a humanidade se voltará para o cumprimento total da Torá, o que trará cura a todos, pois a Torá é considerada a "árvore da vida".
A vida do homem depende do cumprimento dos preceitos da Torá: "E guardareis os Meus estatutos e os Meus juízos, cumprindo os quais o homem viverá por eles – Eu sou o Eterno" (Levítico 18:5). E também: "e dei-lhes os Meus estatutos e ensinei-lhes os Meus juízos, os quais, se o homem os cumprir, há de viver por eles" (Ezequiel 20:11).
Sacrifício Humano: Uma Proibição Divina
O sacrifício humano não é aceito por Deus (Jeremias 7:31); Ele nunca pediu tal coisa. O sangue humano é considerado insuficiente e proibido para o holocausto. Um homem é considerado impuro após a morte, e quem toca em seu cadáver fica impuro por sete dias. Apenas animais puros são permitidos para o holocausto. A justiça praticada por um homem salva apenas sua própria alma, não a de seu semelhante. Isso está claramente explicado na profecia de Ezequiel 18:20, mas, lamentavelmente, muitas pessoas ignoram essa clara escritura. A ideia de que um homem morreria para salvar alguém não faz parte do pensamento judaico. O Mashiach virá para restaurar a terra, transmitindo o conhecimento da Torá e estabelecendo um reino de paz. O costume de sacrifícios humanos é encontrado somente em cultos pagãos.
O Mashiach: Humilde e Dominador em Zacarias 9:9-10
A passagem de Zacarias 9:9-10 descreve as características e as ações do verdadeiro Mashiach:
"Rejubila-te com todo teu ser, ó filha de Tsion! Clama com alegria, ó filha de Jerusalém! Eis que para ti se encaminha teu justo rei, triunfante por suas vitórias, mas ao mesmo tempo comportando-se com humildade, cavalgando um filhote de jumento. Destruirei qualquer carruagem de guerra de Efraim, e eliminarei todo cavalo de combate de Jerusalém; será destruído o arco de batalha, e ele falará somente de paz às nações. Seu domínio se estenderá de um mar a outro, e desde o rio Eufrates até os confins da terra."
Esta descrição é crucial para identificar o verdadeiro Mashiach. Embora a tarefa não seja fácil e muitos tenham sido enganados ao longo da história judaica, até mesmo após Yeshua, exemplos como Bar Kochba e Shabetai Tzvi demonstram a ocorrência de "alarmes falsos". Bar Kochba, que se autoproclamou Mashiach e foi reconhecido por um tempo, acabou sendo refutado. Shabetai Tzvi, outro que se intitulou Mashiach, também enganou muitos seguidores.
O Mashiach ainda não veio, e a fé judaica se mantém na convicção: "Creio com plena fé na vinda de Mashiach. Mesmo que demore, esperarei por sua vinda a cada dia."
Erros existem para que haja acertos. Feliz é o homem que a tempo reconhece seu erro e faz os ajustes necessários em sua compreensão sobre o Mashiach, colocando o Eterno como o Deus Único de sua vida.
"Creio com plena fé na vinda de Mashiach. Mesmo que demore, esperarei por sua vinda a cada dia."
Autor: Maxwell Alves Gusmão (1998)
[i] O Mosteiro Ortodoxo da Transfiguração, mais tarde conhecido como Mosteiro de Santa Catarina, foi construído no sopé do Monte Sinai, no Egito, entre os anos 527 e 565, por ordem do imperador bizantino Justiniano I. É o mosteiro cristão mais antigo ainda em uso para sua função original, e sua localização desértica reflete a antiga tradição do ascetismo (Wikipédia).